Você encontrou a casa dos seus sonhos ou ponto comercial ideal para o seu negócio, mas teve conhecimento de que o imóvel pertence a um falecido, sendo parte de um processo de inventário? Mantenha a calma, pois a legislação brasileira considera que a compra de um imóvel que seja objeto de um processo de inventário pode ser feita de duas formas.
Logo abaixo explicamos detalhadamente como funciona cada um desses procedimentos para que você consiga fazer um negócio seguro e obtenha o imóvel tão desejado sem que seja necessário aguardar o fim do inventário, pois esse é um dos procedimentos judiciais mais demorados em razão da sua complexidade.
1.O que é um inventário e por que um imóvel faz parte dele?
2.É possível comprar um imóvel que faça parte de um inventário judicial?
3.Alvará judicial
4.Cessão de direitos hereditários
5.Contrato particular de promessa de compra e venda
6.Conclusão
1.O que é um inventário e por que um imóvel faz parte dele?
O direito brasileiro estipula que quando uma pessoa morre, a propriedade de seus bens são automaticamente transferidos para seus herdeiros.
Porém, é necessário formalizar essa transferência através de um instrumento judicial chamado de inventário, fazendo o levantamento de tudo o que o falecido possuía, para que seja garantida a divisão igualitária entre os seus herdeiros.
É nesse procedimento que se faz uma relação de todos os bens do falecido, como imóveis, automóveis, ações, direitos e dívidas. O valor de cada um desses bens será calculado, para que, então, seja determinado quanto cada um dos herdeiros receberá.
A lei define que 50% do patrimônio do falecido deve ser destinado aos herdeiros necessários, sendo eles, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, de forma que pelo menos 50% do total seja dividido entre eles. Caso não haja outros herdeiros, os outros 50% também serão divididos entre os necessários.
Durante o inventário, a totalidade dos bens serão relacionados e avaliados para que ao final do processo seja realizada a partilha. O procedimento do inventário pode ser realizado por duas vias: a judicial e administrativa, sendo a primeira, perante o Poder Judiciário e a segunda, por meio de uma escritura pública registrada em cartório.
Porém, existem algumas diferenças entre as duas vias de resolução. A via judicial é a mais utilizada, apesar de ser mais demorada e mais onerosa, pois a administrativa tem requisitos que diminuem as situações aptas a tramitarem nos cartórios.
Para que o inventário seja realizado em cartório, é necessário cumprir os seguintes requisitos:
– não podem haver menores ou incapazes envolvidos;
– todos os herdeiros devem estar em acordo sobre a divisão de bens;
– todas as partes devem ser representadas por um advogado;
– o falecido não poderia ser domiciliado no exterior, mesmo que todos os seus bens estejam no Brasil.
Caso algum desses requisitos não sejam preenchidos, a única via possível para que o inventário seja realizado é a judicial. Nesse caso, será necessário arcar com as custas judiciais, cujos valores são variáveis, pois dependem do valor da causa que será calculado levando em consideração o total do patrimônio deixado pelo falecido.
Agora que você já sabe do que se trata um inventário, podemos avançar para a próxima questão e saber se é possível comprar o imóvel dos seus sonhos mesmo que ele seja parte de um inventário judicial.
2.É possível comprar um imóvel que faça parte de um inventário judicial?
No cenário do inventário, em que todos os bens, direitos e obrigações (conjunto chamado de espólio) do falecido ainda estão sendo levantados e se está discutindo a proporção devida a cada herdeiro, é comum que surja a necessidade de vender algum bem antes do procedimento de inventário ser encerrado.
Algumas das hipóteses são:
– dívidas deixadas pelo próprio falecido, que, enquanto não se encerra o processo, continuam gerando juros e encargos para o espólio;
– o pagamento das custas processuais e tributárias incidentes sobre os bens que os herdeiros não tenham capacidade econômica de arcar;
– evitar a depreciação do bem ao longo do tempo e a consequente perda do valor comercial dele;
– boa oportunidade de venda, que, a depender da circunstância, não pode ser perdida.
Cabendo constar que essas são apenas algumas das situações que justificam a venda de um bem do espólio ainda durante o processo de inventário, pois são as mais recorrentes no dia a dia, mas essa lista não está limitada a essas opções.
Então, sim. É possível adquirir um imóvel que seja parte de um inventário judicial.
Porém, alguns cuidados devem ser tomados para que a transação não se torne motivo de dores de cabeça no futuro.
O primeiro ponto a ser ponderado com cuidado é o fato de que, tratando-se de inventário judicial, obrigatoriamente, qualquer venda deve ser precedida de autorização do juiz responsável pelo processo através de requerimento formulado pelo inventariante (pessoa que detém a incumbência de administrar os bens do inventário, sendo o representante do espólio).
Agora, sabendo que é plenamente possível fazer a compra de um imóvel objeto de inventário judicial, resta conhecer qual é o instrumento utilizado para tanto.
3.Alvará judicial
A primeira opção para que seja realizada a compra de um bem imóvel que seja parte de um espólio é o alvará judicial. O alvará judicial é um documento fornecido pelo juiz para que se levante certa quantia ou possa praticar determinado ato, ou seja, é uma licença temporária ou definitiva dada pelo juiz para que seja celebrado o negócio de compra e venda em questão.
O alvará acaba por se tornar um procedimento alternativo, mais simples, rápido e econômico de fazer com quer os herdeiros possam ter acesso a determinada parte da herança deixada.
Quanto ao procedimento para requerer a expedição do alvará judicial de venda, este pode ser feito tanto nos autos do processo de inventário, quanto por meio de procedimento autônomo de jurisdição voluntária, conforme prevê o Código de Processo Civil.
Ainda sobre o procedimento, é necessário saber quem é que tem o poder de administração dos bens do inventário, pois ele é o representante do espólio, chamado de inventariante. E apesar do inventariante possuir o encargo de administração dos bens, a alienação, ou seja, venda desses bens somente pode ser feita por meio da autorização judicial, materializada pelo alvará, que depende da manifestação e anuência de todos os herdeiros envolvidos no processo.
De outro modo, a venda do bem pertencente ao espólio não pode representar prejuízo à fazenda pública ou aos credores do espólio, assim, somente pode ocorrer a alienação se os valores obtidos com a venda suprirem os débitos fiscais e dos demais credores. Em razão disso, quando há o pedido da venda de bens pertencentes ao espólio, faz-se necessária a avaliação judicial do valor da massa patrimonial, para que a alienação dos bens não prejudique os credores do espólio.
Além disso, é importante salientar que a alienação de um bem que faça parte de um inventário não é o cenário padrão, a alienação é uma exceção.
Por isso, para que seja pleiteada a alienação desses bens é necessário que se comprove a necessidade do procedimento, como, por exemplo, para que o valor decorrente da alienação seja utilizado para custear o processo de inventário com o pagamento das custas judiciais e dos débitos tributários, garantir a subsistência dos sucessores, adimplir obrigações com credores ou evitar a deterioração ou diminuição do valor comercial dos bens, situação que pode ocorrer em razão do lapso temporal decorrido pela duração do processo.
Após a alienação, os valores dela decorrentes são depositados na conta judicial vinculada ao juízo que expediu o alvará.
Depois, é necessário que o juízo autorize a transferência desses valores para cada um dos herdeiros, através de um alvará judicial para levantamento de valores, documento que conterá a descrição do bem, as condições em que a venda foi autorizada e o nome do comprador.
O alvará em questão deverá ser apresentado ao tabelião de notas como condição para que o inventariante assine, em nome do espólio, a escritura pública de compra e venda daquele bem determinado, pois sem o alvará, a escritura pública não poderá ser lavrada, mesmo que todos os herdeiros se disponham a assiná-la.
Nesse ponto, vale ter cuidado em dobro, pois você, comprador, não pode acreditar na promessa de que o negócio será realizado com a concordância de todos os herdeiros e que não precisa de autorização judicial. Isso é mito! O negócio somente será válido com autorização do juiz responsável pelo processo de inventário.
Apesar de essa ser a forma mais segura de comprar um imóvel pertencente a um espólio, você tem mais uma forma de garantir o imóvel dos sonhos!
4.Cessão de direitos hereditários
Como explicado anteriormente, a forma mais segura de adquirir um imóvel pertencente a um espólio é por meio do alvará judicial, mas uma outra alternativa é a cessão de direitos hereditários.
No contrato de cessão de direitos hereditários, o herdeiro vende ao terceiro a sua parte da herança, ou seja, o seu direito sobre o conjunto de bens deixado pelo falecido e não o bem imóvel em si.
Mas nesse caso, o comprador não saberá ao certo o que irá receber em contrapartida ao pagamento acordado, visto que como a cessão é dada enquanto o processo de inventário ainda está correndo, a partilha ainda não foi feita e os bens do espólio ainda não foram divididos entre os herdeiros.
Isso acontece porque a herança deixada pela pessoa que faleceu é considerada como uma e indivisível, o que acarreta o fato de que se a cessão hereditária não for realizada com a totalidade dos herdeiros, o comprador, quando for realizada a partilha dos bens, poderá vir a exercer a propriedade em condomínio com os demais herdeiros.
O que isso significa é que mesmo que o comprador realize o contrato de cessão hereditária com todos os herdeiros participantes do inventário, não lhe será garantido o direito de adquirir apenas o imóvel desejado, visto que a cessão é da cota parte de todos os bens, direitos e obrigações e não de um bem específico.
Somente ocorreria a especificação do imóvel se estivéssemos diante de uma cessão hereditária com todos os herdeiros em que a herança fosse de apenas um imóvel.
E mesmo nessa hipótese ainda não seria garantido ao comprador que ele receberia o imóvel, pois se houvessem dívidas deixadas pelo falecido, o imóvel deveria ser utilizado para adimpli-las, pois como explicado anteriormente, a cessão hereditária engloba tanto a herança quanto os encargos e obrigações dela decorrentes.
5.Contrato particular de promessa de compra e venda
Diferente da cessão hereditária, no contrato de promessa de compra e venda pode-se especificar o bem imóvel que será objeto da transação, de forma parecida com o procedimento do alvará judicial, mas no caso do contrato, o imóvel só passa para o comprador após ter sido passado para o herdeiro, ou seja, a transação somente ocorre após o fim do processo de inventário, momento em que já terá sido realizada a partilha dos bens do espólio.
Como citado acima, trata-se um contrato de promessa, pois a transação somente ocorrerá em tempo futuro. Explicando: suponhamos que você encontrou a casa dos sonhos, mas descobriu que ela faz parte um processo de inventário que está próximo do fim e que os herdeiros já saibam quais imóveis serão de cada um, faltando apenas a homologação da partilha.
Para não perder o negócio, você entra em contato com o herdeiro a quem ficará o imóvel desejado e faz com ele um contrato de promessa de compra e venda, pois assim, quando a partilha for homologada e o imóvel passar definitivamente para a propriedade do herdeiro, a compra e venda será finalizada.
Por questões de segurança, é necessário que todos os herdeiros assinem o contrato de promessa de compra e venda, anuindo com a negociação, bem como de seus eventuais cônjuges, desde que não sejam casados no regime de separação de bens.
6.Conclusão
Apesar de envolver algumas burocracias e riscos adicionais que precisam ser ponderados antes de concretizar a compra de um imóvel objeto do espólio de um inventário, é perfeitamente possível fazê-lo. Seja por meio do alvará judicial, da cessão de direitos hereditários ou do contrato de promessa de compra e venda.
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Um forte abraço! Te espero no próximo texto!
Autor: Dr. João Alberto Morais Borges Filho. OAB/CE n° 24.881 – Advogado com MBA em Direito Tributário pela FGV e mais de 10 anos de atuação em direito Tributário.