Qual a relação entre descontos salariais e risco do negócio?

por | 3, ago, 2023

Todo empreendedor que possui funcionários em sua empresa em algum momento se verá diante da dúvida com relação às situações em que é ou não possível realizar os descontos salariais.

Qualquer desconto no salário do trabalhador precisa ser devidamente realizado, sob pena de o empregador ter de enfrentar um processo judicial e ressarcir o valor atualizado. Além do que, uma situação assim geraria para o empresário grande dissabor por um pequeno descuido.

Há inúmeras situações que, num primeiro momento, podem parecer simples e que é possível para o empregador operar os descontos, no entanto, no presente texto demonstraremos em que situações realmente pode ocorrer.

Em especial, traçaremos um paralelo entre os descontos salariais e o risco do negócio – que deve ser suportado pelo empresário, e não pelo funcionário.

Explicaremos como identificar o que é o risco do negócio, o qual, em suma, não pode ser dissociado da própria atividade econômica, por ser parte integrante do funcionamento daquele determinado segmento.

O conteúdo que será apresentado é importante para o pequeno empresário em Juazeiro do Norte, pois a partir dele poderá entender com clareza a forma correta de agir e tomar atitudes concretas para proteger sua empresa de prejuízos, dentro do que é possível.

descontos salariais
1.Questões sobre os descontos salariais na remuneração do funcionário
2.O que é risco do negócio?
3.Como relacionar descontos salariais e risco do negócio.
4.Como realizar descontos extraordinários da maneira correta.
5.Conclusão

1.Questões sobre os descontos salariais na remuneração do funcionário

Quando tratamos de descontos salariais, devemos diferenciar o que são descontos obrigatórios e o que são descontos não obrigatórios.

Os descontos obrigatórios são aqueles automaticamente abatidos no salário bruto do empregado não cabendo qualquer questionamento em contrário.

Na realidade, de acordo com a CLT, são dois os descontos obrigatórios, sendo a contribuição ao INSS e o Imposto de Renda de Pessoa Física retido na fonte.

Além desses, ainda podemos citar outros, como: vale-transporte, pensão alimentícia, vale-alimentação, antecipação de salário ou vale, aviso-prévio, empréstimo consignado, faltas e atrasos, bem como danos culposos ou dolosos.

a) Desconto de vale-transporte

O vale-transporte não é um desconto obrigatório apenas nas situações em que o empregado opta por não receber o benefício. O desconto proveniente do vale-transporte pode ser de até 6% do salário do trabalhador.

b) Pensão Alimentícia

O desconto referente à pensão alimentícia ocorre quando o funcionário possui alguma determinação judicial específica para tal desconto. Dessa forma, a empresa tem obrigação de descontar o valor da pensão do salário, diretamente em folha.

c)Vale-alimentação

O valor estipulado de desconto pelo vale-alimentação é determinado através de acordo ou convenção coletiva da categoria. O benefício de vale-alimentação pode ser descontado na folha de pagamento na porcentagem de até 20% do salário.

d) Antecipação de salário ou vale

A antecipação salarial costuma ser solicitada pelo próprio empregado. A antecipação ou o chamado vale é o recebimento antecipado dos dias trabalhados. A empresa não tem a obrigação de ceder a essa antecipação, mas, se ceder, o valor é posteriormente descontado do salário.

e) Aviso-prévio

O desconto de aviso-prévio pode ser realizado quando o funcionário se desliga da empresa e não cumpre ou não deseja cumprir o aviso. Nessa situação, a empresa possui o direito de descontar do seu salário o período não trabalhado.

f) Empréstimo consignado

As instituições financeiras parceiras nas quais o funcionário tenha solicitado empréstimo consignado podem realizar os descontos de forma automática da folha de pagamento do funcionário.

g) Faltas e atrasos

A legislação trabalhista determina que as faltas injustificadas podem ser descontadas salário do trabalhador assim como os atrasos superiores a 10 minutos. Por outro lado, a falta com apresentação de atestado não pode ser descontada da remuneração.

h) Dano culposo ou doloso

Importante salientar com relação ao dano culposo ou doloso que esse ocorre quando o empregado causa algum dano à empresa. Em casos de dano doloso, quando é intencional, pode ser realizado o desconto em folha. No entanto, há casos de dano culposo, quando não intencional. Em situações assim, orientamos que a verificação de culpa seja feita com cuidado para evitar descontos indevidos.

Nos casos em que não há intenção clara de causar o dano, o desconto em folha só pode ocorrer se tal cláusula estiver especificada claramente no contrato.

Já com relação aos descontos não obrigatórios a legislação prevê que esses são efetuados pelo empregador com a autorização prévia e por escrito do empregado, à exceção dos descontos obrigatórios que mencionamos anteriormente.

Dessa forma, é possível descontar do salário através dos descontos não obrigatórios. No entanto, mediante o conhecimento e autorização do trabalhador.

Para saber mais detalhes sobre esse tema, acesse nosso blog e confira nosso texto “O que pode ser descontado do salário do empregado?”.

2.O que é risco do negócio?

Falar em risco do negócio se trata de toda fonte de incerteza possível nas diferentes etapas de uma atividade.

Em outras, palavras, são os fatores externos ou internos que podem gerar algum tipo de prejuízo ou impedir que uma atividade produtiva tenha continuidade.

Um risco é, portanto, uma ameaça a ser neutralizada ou controlada, e para isso é preciso que seja previamente reconhecida. Os riscos estão por toda a parte e eles podem vir até mesmo de dentro da própria empresa.

Cada segmento carrega consigo seu risco. O risco do comércio é não vender determinado produto. O risco do supermercado é ter prejuízos com os produtos em razão de passado o prazo de validade. O risco do negócio de um banco é de oferecer empréstimos e mesmo com todos os meios legais não receber o pagamento devido por diversas razões.

Todos os tipos de negócio carregam consigo ao menos um risco, podendo lidar com mais de um simultaneamente. Importante dividir o que é risco do negócio do que é dano causado intencionalmente ou outras situações que fujam dessa realidade.

O mais importante é entender que se o risco tratado é parte da atividade econômica, não se pode atribuir ao funcionário que este arque com eventual prejuízo causado por esse risco.

Acerca desse ponto, trataremos com mais detalhes a partir do próximo tópico.

3.Como relacionar descontos salariais e risco do negócio.

O entendimento e a previsão legais nesse sentido são unânimes no sentido de assumir que a empresa não pode descontar de salário situações que devem ser suportadas pelo empresário.

Para ilustrar melhor isso, é ainda recorrente se deparar com notícias de empresas que repassam uma cota de produtos que devem ser vendidos até determinada data, caso negativo, ou o empregado compra ele mesmo os produtos ou terá a sua demissão sem justa causa exercida, pela falta de atingimento de metas.

Isso também costuma acontecer em redes de fast-food que prometem entrega imediata e dos alimentos ainda quentes, sob o compromisso de ser o consumidor dispensado do pagamento, caso tal promessa não seja atendida. O detalhe é que quem vem pagando a conta, nesses casos de insucesso, tem sido o entregador, que perde o direito a comissão e ainda paga o preço de custo do lanche não entregue no prazo.

Perceba-se que essa prática, além de proibida por lei, pode gerar altíssima indenização por danos morais em favor do trabalhador, pois evidente o abuso do poderio econômico e social de quem emprega.

Outra prática que tem se repetido muito principalmente no setor de supermercados é, por exemplo, cobrar do empregado que este arque com o valor das compras nas quais a empresa tenha sofrido fraude no pagamento por meio do pix.

Por vezes apenas o gerente ou o próprio proprietário tem acesso a essas informações, então é extremamente perigoso culpar o funcionário por eventuais fraudes sofridas nesse sentido. O ideal é que seja desenvolvida uma forma de trabalho que diminua ao máximo que situações assim ocorram e causem prejuízos.

Há ainda casos em postos de combustível em que os frentistas eram obrigados a venderem no mínimo 03 produtos das gôndolas (bucha de limpeza, ceras de polir, lustra-cromados, etc.)  e no final do expediente se o frentista não conseguisse tal intento, ele próprio deveria comprar a mercadoria, podendo ainda sofrer as mais variadas penas, como advertência escrita, suspensão e até casos de demissão.

Vejamos que essas situações, em que há fraude ou não venda de determinados produtos sem que seja possível culpar o funcionário, fogem completamente do razoável. Ainda, se o empresário deu início a um negócio, deve saber dos riscos que o envolvem, de modo que não é possível punir o funcionário para que suporte um risco que não é dele.

4.Como realizar descontos extraordinários da maneira correta.

Importante se atentar para as previsões das situações em que é possível realizar os devidos descontos na remuneração do empregado.

Por exemplo, um motorista que leva uma multa por velocidade, pode vir a ser responsabilizado e ter de arcar com o valor e a pontuação decorrente da infração.

Todavia, importante verificar se não seria o caso de o funcionário estar dirigindo em alta velocidade por orientação e pressão da própria empresa. Nesses casos, se o funcionário conseguir demonstrar isso, ele pode tanto afastar de sua responsabilidade a multa quanto garantir uma indenização por danos morais.

Outra situação é no caso de a multa ser tomada em razão de estado de conservação do veículo. Percebamos que a obrigação pela conservação do veículo é, em regra, da empresa. Portanto uma multa dessa natureza deve ser suportada pela empresa e não pelo funcionário que apenas dirigia o veículo.

Em outros segmentos, também pode haver situações específicas. Como um segundo exemplo, imaginemos que uma loja de tecidos esteja suportando inúmeros prejuízos por conta das medidas erradas feitas pelos funcionários.

O simples erro não pode gerar descontos na remuneração do funcionário. Portanto, deve-se adotar formas de conferência e aferição de culpa para entender se o prejuízo vem sendo causado intencionalmente ou não.

Nesses casos, o ideal é que seja adotado um sistema de dupla conferência, treinamento, e uma assessoria jurídica para desenvolver um regimento interno ou qualquer outro documento cabível para orientar aos funcionários como agir nessas situações.

Sugerimos que, caso sua empresa atue em áreas que seja comum situações que acabem gerando possibilidade de descontos na remuneração, que tudo seja previamente estabelecido por meio da documentação devida, com total ciência dos empregados, bem como treinamentos suficientes para que estejam a par de como devem agir.

5.Conclusão

Ao longo do texto apresentamos uma relação entre risco do negócio e possíveis descontos na remuneração dos funcionários.

Cada segmento carrega consigo seu risco. O risco do comércio é não vender determinado produto. O risco do supermercado é ter prejuízos com os produtos em razão de passado o prazo de validade. O risco do negócio de um banco é de oferecer empréstimos e mesmo com todos os meios legais não receber o pagamento devido por diversas razões.

Todos os tipos de negócio carregam consigo ao menos um risco, podendo lidar com mais de um simultaneamente. Importante dividir o que é risco do negócio do que é dano causado intencionalmente ou outras situações que fujam dessa realidade.

Trouxemos alguns exemplos demonstrando que o risco do negócio deve ser suportado pelo próprio empresário e jamais repassado para os funcionários, sob pena de enfrentar futuramente uma ação judicial trabalhista que resulte em pagamento de danos morais em favor do empregado.

É necessário entender a real necessidade que envolve o seu negócio a fim de se cercar de todos os cuidados possíveis, com o apoio de uma assessoria jurídica especializada, com a intenção de garantir que os funcionários tenham todos os meios de evitar ao máximo os erros que causam prejuízo ao empresário.

Descontos realizados na remuneração do funcionário de forma indevida geram inúmeros prejuízos para o empresário, por isso antes de realizar qualquer deles (que não sejam os obrigatórios) garanta estar cercado de todas as bases legais possíveis.

Todo pequeno empresário de Juazeiro do Norte pode já ter enfrentado ou acabará enfrentando alguma situação similar às que apresentamos no presente texto. Após a leitura, acreditamos que foi possível entender a lógica que fundamenta os descontos e tornar o empresário atento à sua realidade para buscar o amparo legal necessário.

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Até o próximo texto!

Autora: Dra. Pryscila S. S. Regazzini, advogada, inscrita na OAB/CE sob o n° 42.428, com ampla experiência na área do direito do trabalho para empresas

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