A sua empresa contratou um seguro de determinado banco, a fim de proteger seu patrimônio de eventuais sinistros. Determinado dia, a empresa é atingida por um incêndio de grandes proporções, destruindo a estrutura física do estabelecimento. Nesse caso, você pode recorrer ao Código de Defesa do Consumidor para receber indenização e ter seus direitos garantidos?
Apesar de ser uma Pessoa Jurídica, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que seus direitos são protegidos pelo CDC, inclusive, cabendo-lhe a indenização devida. Veja abaixo detalhadamente quais são seus direitos e garantias em situações semelhantes a esta.
1.O que caracteriza um consumidor para a legislação?
2.As regras do CDC se aplicam às pessoas jurídicas?
3.Quais são os tipos de seguro disponíveis para sua empresa?
4.Como funciona a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos Contratos de Seguro?
5.Qual é o entendimento dos tribunais sobre a incidência do CDC nas relações entre pessoa jurídica e os serviços de seguro?
6.Conclusão
1.O que caracteriza um consumidor para a legislação?
O Código de Defesa do Consumidor – CDC, não nasceu por acaso, tampouco foi resultado de um simples projeto como qualquer outra Lei. Foi com o advento da nossa Constituição Federal de 1988 que o consumidor passou a ser reconhecido como um novo sujeito de direitos, os quais são protegidos no âmbito das garantias fundamentais.
Nesse viés, o Direito do Consumidor é o conjunto de normas e princípios que regula a tutela de um sujeito especial de direitos, a saber, o consumidor, como agente vulnerável, reduzindo a desigualdade existente entre o consumidor e fornecedores, e tendo como propósito a defesa moral e patrimonial do consumidor.
Mas afinal, quem pode ser enquadrado como consumidor?
Primeiramente, deve ser observado que haverá uma relação de consumo sempre que estiverem presentes as seguintes figuras: CONSUMIDOR, FORNECEDOR e PRODUTO/SERVIÇO.
De acordo com as disposições do nosso Código de Defesa do Consumidor, CONSUMIDOR é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Assim, não será considerado consumidor aquele que utiliza o bem ou serviço para incorporá-lo em uma etapa da cadeia de produção.
Além disso, o CDC traz três hipóteses em que haverá a equiparação à figura do consumidor:
- Coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis que haja intervindo nas relações de consumo;
- Vítimas do evento (acidente de consumo);
- Pessoas determináveis ou não, expostas às práticas de publicidade abusiva (consumidor potencial ou virtual).
Tecidas tais considerações, é necessário abordarmos a aplicação das regras do CDC às pessoas jurídicas.
2.As regras do CDC se aplicam às pessoas jurídicas?
O significado da expressão “destinatário final” é um conceito jurídico indeterminado e existem três teorias que buscam interpretá-lo e explicá-lo:
1. TEORIA MAXIMALISTA OU OBJETIVA:
Consumidor é a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza o produto ou serviço, retirando-o da cadeia de produção (destinatário fatídico) independentemente da destinação que é dada ao bem.
Ou seja, nessa teoria, não importa a destinação que será dada ao produto, se este será utilizado para satisfazer necessidades pessoais do adquirente ou usado como finalidade profissional em atividade econômica, bastando a retirada do produto do mercado de consumo
2. TEORIA FINALISTA OU SUBJETIVA:
Consumidor é a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza o produto ou serviço (destinatário fatídico) para fim pessoal, privado ou familiar, sem revendê-lo ou incrementá-lo em sua atividade profissional (destinatário econômico).
Essa teoria se preocupa com a destinação, com a finalidade do bem de consumo, defendendo que o ciclo econômico se encerra na pessoa do adquirente. Além disso, tal teoria faz uma interpretação de maneira reduzida do termo “destinatário final”, defendendo que só merece a tutela do CDC quem é vulnerável.
3. TEORIA FINALISTA APROFUNDADA OU MITIGADA:
Consumidor, em regra, é o destinatário fatídico e econômico do bem. Excepcionalmente, também poderá ser considerado consumidor, a pessoa física ou jurídica que, embora faça uso do produto ou serviço para uso profissional, comprove, em concreto, sua condição de vulnerabilidade.
A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, tem adotado uma linha segura de interpretação para decidir pela aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor às pessoas jurídicas (empresas/profissionais) que utilizam os produtos e serviços para o desenvolvimento de suas atividades.
Logo, em alguns casos, o STJ reconhece a aplicação do CDC, mesmo sendo o adquirente um consumidor intermediário (aquele que utiliza o produto para atividade econômica), por entender presente a VULNERABILIDADE, fato que tem o condão de causar desequilíbrio na relação de consumo.
Dessa forma, sob o prisma do conceito jurídico, a Teoria Finalista Mitigada tem sido o entendimento prevalente para a definição de consumidor, pois esta se adequa perfeitamente ao objetivo do CDC: proteger o consumidor, reduzindo a desigualdade existente entre consumidor (pessoa física ou jurídica) e fornecedor na relação de consumo.
Entendido isso, passemos a analisar quais as espécies de seguro para uma melhor compreensão dos direitos de sua empresa a partir das regras do CDC.
3.Quais são os tipos de seguro disponíveis para sua empresa?
A busca pela proteção jurídica de bens e interesses levou a sociedade a criar um novo instituo jurídico: o seguro. O referido instituto é de grande importância para você, empresário, considerando que este tem como finalidade garantir a segurança contra eventos que não podem ser previstos, ou quando previstos, não podem ser evitados.
Existem algumas espécies de seguro. Vejamos:
1. SEGURO DE PESSOAS:
Este seguro destina-se a garantir a vida e as capacidades humanas. Contudo, nesta modalidade, não se tem o sentido de “indenização”, haja vista que a “vida” não pode ser objeto de avaliação no sentido jurídico.
Dessa forma, quando ocorrer algum sinistro, o valor a ser pago leva o nome de “capital” e não de indenização.
Uma das modalidades de seguro de pessoas mais conhecido é o “seguro de vida”, que visa proporcionar renda para os beneficiários em caso de falecimento do segurado, a fim de evitar o desequilíbrio no nível/padrão social da família devido o falecimento de um de seus membros.
Vale ressaltar que neste tipo de seguro, o consumidor é livre para escolher o capital desejado, uma vez que este também possui limitações por não ter caráter indenizatório.
2. SEGURO DE DANO:
Por sua vez, essa modalidade de seguro tem por função indenizar os danos, prejuízos, causados ao patrimônio do segurado. Ou seja, seu objetivo é a recomposição patrimonial.
Ao contrário do seguro de pessoas, este tipo de seguro tem critérios objetivos para determinar os valores máximos que podem ser indenizados.
Ademais, qualquer pessoa pode ter interesse imediato no bem, buscando a sua conservação ou no caso de ocorrência do sinistro. Dessa forma, o proprietário, assim como, por exemplo, o credor hipotecário de algum imóvel, tem o direito e legitimidade para contratar um seguro patrimonial.
Sabendo de todas essas informações, surge um novo questionamento: O seguro contratado por empresas para proteção de seu patrimônio está submetido ao Código de Defesa do Consumidor?
4.Como funciona a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos Contratos de Seguro?
Sim! O seguro contratado pela sua empresa para proteção do patrimônio está submetido ao Código de Defesa do Consumidor.
O CDC dispõe de forma expressa, art. 2°, §2°, que o contrato de seguro consiste em uma espécie de contrato de consumo.
Uma seguradora, por ser uma pessoa jurídica de direito privado, é qualificada como “fornecedora”, motivo pelo qual deve ser tratada como prestadora de serviços de natureza securitária, consolidando-se como fornecedora.
O Segurado, por sua vez, é o consumidor, pois celebra o contrato em benefício próprio ou de terceiros, tornando-se o destinatário final do serviço prestado.
Assim, resta claro a incidência do CDC nos contratos de seguro, haja vista que este está evidentemente enquadrado no rol de relações de consumo expresso no próprio Código.
Diante disso, o CDC elencou direitos básicos, e específicos, do consumidor de seguros, dispostos nos arts. 6° e 7°, dentre eles vejamos alguns:
- O consumidor não pode ser enganado por nenhuma forma de mensagem, seja ela falada, escrita, por imagem, etc. O produto ou serviço deve apresentar informações que sejam claras e precisas;
Direito à informação:
Sendo expressado o dever de informar por parte do fornecedor, assegurando que o consumidor tenha acesso a informações precisas e claras. Em relação ao contrato de seguro, deve a seguradora garantir que o consumidor entenda todas as cláusulas de que trata o seguro. Além de claras e precisas, as informações prestadas pelo fornecedor, devem conter as advertências necessárias para alertar o consumidor a respeito dos riscos. Inclusive, se a informação for parcial ou incompleta, frustrando o serviço prometido, o fornecedor poderá ser responsabilizado civilmente.
Inversão do ônus da prova:
É o instrumento para a obtenção do equilíbrio processual entre as partes, não tendo por fim causar indevida vantagem, a ponto de conduzir o consumidor ao enriquecimento sem causa. Pelo contrário, em razão da hipossuficiência do consumidor, este apresenta obstáculos para produzir provas das suas alegações contra o fornecedor.
Cláusulas abusivas e limitadoras:
São aquelas em que se impõe uma condição desfavorável à parte hipossuficiente da relação, que neste caso é o consumidor. Nesse sentido, é importante destacar que uma cláusula abusiva é SEMPRE nula. Além da nulidade absoluta, é possível reconhecer que, presente o dano, as cláusulas abusivas podem gerar o dever de reparar, ou seja, a responsabilidade civil do fornecedor ou prestador.A utilização de cláusulas abusivas é muito comum nos contratos de seguro, tendo em vista que, hoje, tem aumentado a busca incessante pela proteção patrimonial, se consolidando quando o segurado recorre à seguradora, e esta, sendo a mais forte da relação, estabelece critérios próprios para a prestação do serviço. Essa é uma das muitas hipóteses que se mostra necessário e importante você, empresário, ter a assistência de um advogado, considerando que o profissional dessa área, além da experiência no tema, irá verificar a presença de cláusulas abusivas, sempre buscando a melhor solução para seu cliente. Fique atento!
Destaque-se que você segurado, em resumo, poderá invocar os direitos básicos dos consumidores, previstos no art. 6° do CDC, a exemplo:
- A proteção contra publicidade enganosa e abusiva;
- A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão;
- A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
- O acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais;
- A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive a inversão do ônus da prova, a seu favor.
Por fim, frise-se que eventual prática abusiva constatada nessa relação pode ser questionada judicialmente, posto que são vedadas ao fornecedor de produtos ou serviços.
As práticas abusivas estão previstas no art. 39 do CDC, dentre elas:
- Condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
- Recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
- Exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
- Elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços;
- Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.
5.Qual é o entendimento dos tribunais sobre a incidência do CDC nas relações entre pessoa jurídica e os serviços de seguro?
Recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ manifestou o entendimento de que a pessoa jurídica que firma contrato de seguro visando à proteção de seu patrimônio é considerada destinatária final dos serviços securitários, incidindo, assim, as normas do Código de Defesa do Consumidor. (REsp 1943335-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 14/12/2021 – Info 722)
Nesse sentido, a mesma turma reconheceu que, em caso de perda total, a indenização do seguro só corresponderá ao montante da apólice (contrato final) se o valor do bem, no momento do sinistro, não for menor.
O colegiado negou provimento ao recurso especial interposto por uma seguradora contra decisão que a obrigou a indenizar, no valor total da apólice, uma empresa que teve sua sede e o estoque de mercadorias destruídos por incêndio:
R$ 1,8 milhão pelos danos verificados no edifício e no estoque; R$ 50 mil, a título de lucro cessante, e R$ 25 mil para cobertura de despesas fixas.
Ao STJ, a seguradora alegou que a indenização deveria se limitar ao valor do prejuízo efetivamente comprovado na época do incêndio, sob pena de obtenção de lucro indevido pela segurada – a qual não teria provado a existência em estoque dos bens declarados na contratação do seguro.
Outrossim, o Relator do processo, Ministro Moura Ribeiro retomou à discussão sobre o chamado “princípio indenitário”, segundo o qual os contratos de seguros não se destinam à aferição de lucro, mas à recomposição do prejuízo decorrente do sinistro, nos termos do art. 778 do CC.
Contudo, o Relator destacou, ainda, que é possível considerar para o pagamento da indenização securitária a variação na expressão econômica do interesse segurado ao longo do tempo.
6.Conclusão
Ante o exposto, restou claro que a empresa que contrata seguro para proteção do seu patrimônio pode ser considerada consumidora, tendo em vista que o seguro é um instituto jurídico comercializado como produto em uma relação de consumo interpretativa que visa proteger um patrimônio.
Diante disso, a interpretação do contrato de seguro deve estar pautada na disciplina especial do CDC, que estabelece garantias à ambas as partes da relação securitária, em que pese ser em proporções diferentes, tendo em vista que o(a) segurado/empresa, na condição de consumidor, encontra-se devidamente protegido pela legislação brasileira.
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Um forte abraço! Te espero no próximo texto!