Posso descontar do salário os danos causados pelo empregado?

por | 24, mar, 2022

Imaginemos a seguinte situação: a cliente de uma vidraçaria encomenda uma linda peça de vidro.

Essa peça, em razão de sua medida, modelo, cor e maquinário necessário para a fabricação, custou mais de mil reais. A mercadoria precisava ser entregue com muita urgência.

Depois de fabricada a peça, já no momento de retirar a mercadoria de dentro da vidraçaria e realizar o transporte até a casa da cliente, o funcionário da vidraçaria se desequilibra e acaba caindo, levando com ele ao chão a bela peça de vidro que deveria ser entregue naquele mesmo dia dentro de algumas horas, mas fica em pedaços.

Além de precisar se recuperar do susto, a primeira questão que o dono do estabelecimento vai resolver é correr contra o tempo para produzir outra peça sob medida.

Também será preciso se justificar com o cliente, e torcer para que ele seja compreensivo e tenha a possibilidade de aguardar até que a nova peça seja fabricada.

Resolvido isso, a próxima questão a ser enfrentada pelo empregador é: o funcionário que provocou a destruição do produto, ainda que devido um acidente (ele tropeçou quando estava carregando o vidro) pode ser responsabilizado pelo dano que causou?

Seria possível descontar do salário dele o valor correspondente ao prejuízo que o empresário teve em razão do acidente?

Talvez você não seja dono(a) de uma vidraçaria, mas já pode ter acontecido com roupas, comidas, peças artesanais e várias outras coisas.

Se você lida com produtos e até com serviços, já pode ter enfrentado situação parecida decorrente do erro de algum funcionário e não soube como agir, não é mesmo?

Nesse texto, explicaremos o que a legislação diz a respeito e o que pode ser feito em situações assim.

Por isso, continue acompanhando a leitura. Em aproximadamente 08 minutos, você a terá finalizado e se sentirá seguro(a) sobre o que levar em consideração e como agir em cada situação.

descontar do salário
DIFERENCIANDO AS SITUAÇÕES: PREJUÍZO INTENCIONAL X PREJUÍZO ACIDENTAL
O QUE A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA DIZ A RESPEITO DE DESCONTAR DO SALÁRIO DO EMPREGADO?
AS PUNIÇÕES SÃO PERMITIDAS?
COMO EVITAR PREJUÍZOS DESSA NATUREZA?
CONCLUSÃO

DIFERENCIANDO AS SITUAÇÕES: PREJUÍZO INTENCIONAL X PREJUÍZO ACIDENTAL

Como os próprios nomes sugerem, o prejuízo acidental se trata justamente do exemplo que demos no início do texto.

O funcionário se desequilibrou justamente no momento de levar o vidro sob medida até o carro, para transportá-lo até à casa da cliente.

Por azar, esse trabalhador acabou causando um acidente e prejuízo para o dono do estabelecimento.

Quando falamos de prejuízo, nesse caso, muitas vezes não se resume ao material, mas à expectativa do cliente que foi frustrada, e que pode impedir que novos negócios sejam fechados por ele.

Na situação que apresentamos, foi nítido que o funcionário não teve qualquer intenção em causar o dano. O acidente aconteceu quando o funcionário se desequilibrou e acabou caindo, derrubando também a peça de vidro.

Já para tratar do que seria o prejuízo intencional, usaremos o seguinte exemplo.

Imaginemos um funcionário, repositor de produtos e operador de empilhadeira em um supermercado.

Ele, revoltado por não ter cumprido os requisitos necessários à sua promoção e insatisfeito com o patrão, resolve “dar o troco”.

Durante seu expediente noturno, em que o número de funcionários é reduzido, propositalmente não encaixa o pallet corretamente.

Assim ao fazer o transporte até a prateleira de cima, ele acaba derrubando mais de 30 caixas de vidros de azeite.

Na queda, as caixas acabam esbarrando em outras garrafas expostas na prateleira, quebrando, pelo menos, mais 50 garrafas do mesmo produto.

O prejuízo gerado foi em torno de 7 mil reais.Ao verificarem as câmeras de segurança, foi possível perceber que todo o ocorrido foi proposital.

Além disso, o funcionário vinha apresentando comportamento inconsistente com as normas da empresa devido ao seu descontentamento pela não promoção.

Nesse caso, está claro que o prejuízo causado ao empresário foi intencionalmente provocado pelo trabalhador.

O QUE A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA DIZ A RESPEITO DE DESCONTAR DO SALÁRIO DO EMPREGADO?

A legislação vigente fala que é do empregado a responsabilidade pelos riscos do negócio. Por exemplo, situações como:

  • Eventuais problemas ou prejuízos que ocorram com o maquinário essencial à exploração da atividade.
  • Desgastes de equipamentos pelo uso.
  • Mercadoria que passa da validade por não ter sido vendida;
  • Insatisfação de algum cliente que resolve devolver o produto por conter algum vício.

Essas situações cabem tão somente ao empregador se responsabilizar, já que são situações que podem ocorrer naturalmente, ao longo da atividade econômica.

Por isso se diz que o risco do negócio, as situações que podem ocorrer por força da natureza da operação, são sempre do empregador.

Com isso, na primeira hipótese que apresentamos, o funcionário gerou o dano por um acidente, sem qualquer intenção de causar o prejuízo.

Não é possível que ele seja responsabilizado ou até obrigado a pagar algum valor ao patrão.

O valor de mil reais correspondente ao produto que foi perdido, então, não poderá ser descontado do salário do empregado, uma vez que o art. 462 da CLT contempla o chamado “princípio da intangibilidade salarial”.

Esse princípio presente no texto do artigo diz que o empregador é proibido de efetuar descontos nos salários do empregado.

Vamos ver como o artigo foi redigido e o que ele diz. Art. 462 – Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.

Porém, o § 1º do mesmo artigo 462 traz uma exceção justamente para situações em que o próprio empregado causou o dano: § 1º – Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

Isso significa que quanto à segunda hipótese que ilustramos, na qual o funcionário propositalmente gerou o dano de mais de 7 mil reais, o empregado deve pagar pelo prejuízo que causou?

A resposta é sim! O empregador poderá descontar do salário do empregado esse prejuízo.

Mas, vejamos ainda alguns detalhes sobre isso.

O § 1º do artigo da CLT que mencionamos deixa claro que esse desconto só pode ser realizado e só é lícito quando estiver comprovada a intenção do empregado em causar aquele dano e que exista um acordo nesse sentido.

Nessas situações é preciso que o contrato de trabalho preveja essa possibilidade de desconto por prejuízos e, além disso, esteja comprovado que o empregado agiu com intenção de lesar (causar dano) o empresário.

No caso que exemplificamos, se a empresa estivesse munida de um contrato de trabalho com as previsões mencionadas, seria totalmente possível descontar do salário do empregado o prejuízo que este causou.

Importante também salientar que é necessário analisar a convenção coletiva da categoria em que o empregado está inserido.

Nela, pode haver disposições relacionadas a situações de prejuízo causado pelo empregado, bem como devem ser solucionadas essas questões.

Outro ponto bastante comum e que é válido chamar a atenção é no caso de haver valores a serem cobrados do empregado que está sendo demitido.

Na rescisão contratual, qualquer desconto no pagamento das verbas rescisórias não poderá exceder o equivalente a um mês de remuneração do empregado, conforme determina o § 5º do art. 477 da CLT.

Ainda, esses descontos devem ser muito bem explicados para que o empregador não enfrente problemas na Justiça do Trabalho posteriormente.

Também deve ser acordado com o empregado o número de parcelas e valores a serem descontados mês a mês. Isso é preciso, pois o valor do prejuízo supera a remuneração mensal do empregado.

 

AS PUNIÇÕES SÃO PERMITIDAS?

Mesmo realizados os descontos no salário do empregado que causou o prejuízo de R$ 7.000,00 (sete mil reais), há algo além que o empregador pode fazer.

A atitude do empregado demonstrou insubordinação ao desrespeitar regras quanto ao manejo da máquina de transporte dos pallets, além do que não foi um bom exemplo para os demais colaboradores.

Em situações assim, mesmo que não exista prejuízo financeiro, é cabível uma advertência ao empregado.

A advertência é um tipo de punição feita por escrito, em que o empregado assina demonstrando estar ciente de que sua conduta não foi bem aceita pela empresa e que precisa estar mais atento nas próximas vezes.

Empregados que colecionam advertências podem acabar recebendo punições mais severas. Para saber mais, acesse o texto que escrevemos sobre o tema no nosso blog.

Caso a conduta inaceitável do empregado se repita, o empregador tem respaldo fático até para demiti-lo por justa causa, a depender da situação.

Na oportunidade em que a advertência for apresentada ao empregado, garanta que ele também tenha espaço para falar e se comprometer em atender às regras da empresa. É importante que ele entenda o teor da advertência e a assine como prova de que foi advertido.

COMO EVITAR PREJUÍZOS DESSA NATUREZA?

Uma excelente maneira de evitar prejuízo e condutas dessa natureza dentro de qualquer empresa, seja ela de pequeno ou grande porte, é sempre deixar claro quais são os objetivos e o que se espera de cada um dos funcionários.

Implementar uma política que esteja aberta a ouvi-los também é de suma importância. Ninguém melhor para apontar as falhas de uma organização do que os próprios trabalhadores que a formam, não é mesmo?

O Compliance Trabalhista é excelente nisso. Ele conta com uma série de medidas que podem ser adotadas dentro das empresas para gerir possíveis riscos.

Um exemplo de medida é a elaboração de um código de conduta claro e objetivo, dentre outras inúmeras possibilidades.

Uma empresa que não gere bem os riscos existentes acaba precisando gerir a crise no futuro.

Lembre-se que quanto mais o trabalhador compreender o objetivo e missão da sua empresa, mais rápido ele pode determinar se está enquadrado a eles ou não.

Além disso, medidas relacionadas à segurança do trabalho precisam estar sempre sendo revisadas.

Vamos supor que, na primeira hipótese o funcionário que estava transportando o vidro se desequilibrou porque no trajeto entre o ambiente em que as peças são fabricadas até a garagem onde os carros para transporte ficam, exista problemas com o piso e essa tenha sido a principal razão para a perda da peça.

Vejamos ainda que caso a peça de vidro tivesse caído sobre o funcionário, ele ainda teria sofrido lesões, que são caracterizadas como acidente de trabalho. Uma análise constante e atenta a possíveis ajustes que garantam a segurança no trabalho de todos é sempre necessária.

Caso fosse constatado aqui que o funcionário não teve culpa e que só se desequilibrou por conta das más condições do piso, além de ter se cortado com o vidro, ele teria direitos relacionados ao acidente de trabalho que sofreu.

Isso deixa claro o quanto é importante estar sempre atento às condições da estrutura da sua empresa.

Há muitos casos em que medidas simples poderiam ter sido tomadas antes mesmo de qualquer acidente acontecer. Porém, como não foram tomadas, acabaram gerando grandes prejuízos que poderiam ter sido evitados.

CONCLUSÃO

Nesse texto tratamos sobre uma situação complicada e até desesperadora que pode ocorrer com qualquer empresário.

Trouxemos o exemplo de uma vidraçaria para ilustrar claramente a extensão do prejuízo em cada uma das situações narradas.

Explicamos que, primeiro, é necessário encontrar alternativas para satisfazer a expectativa do cliente.

Feito isso, partimos para verificar se o dano causado pelo trabalhador foi intencional ou não.

Diferenciamos nesse texto as duas situações, tanto a que ocorre o prejuízo intencional quanto a que o prejuízo é acidental, demonstrando elementos que caracterizam a existência ou não da intenção de causar o dano ao patrão.

Para trazer segurança sobre as medidas que podem ser tomadas em uma situação assim, mencionamos o que a legislação trabalhista diz a respeito e o que deve ser levado em conta antes de realizado qualquer desconto na remuneração do empregado. Isso porque, como ensinamos, a remuneração é é protegida pelo princípio da intangibilidade salarial.

Não basta que exista previsão no contrato de trabalho sobre descontos na remuneração do trabalhador no caso de este causar prejuízos se não houver a demonstração efetiva de que ele, realmente, causou o dano que está sendo alegado.

Ambos os requisitos precisam estar presentes para que o desconto realizado seja lícito.

Trouxemos, ainda, algumas punições além do desconto que podem ser aplicadas, além de mostrar que existem formas que evitar prejuízos e melhorar o ambiente organizacional da sua empresa, seja ela de grande ou de pequeno porte, por meio do compliance trabalhista e as inúmeras ferramentas que ele tem.

Com essas informações, caso você se veja em uma situação em que foi causado prejuízo material por um funcionário, já saberá como agir.

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Obrigada por ler, e até o próximo texto!

Autora: Dra. Pryscila S. S. Regazzini, advogada, inscrita na OAB/CE sob o n° 42.428, com ampla experiência na área do direito do trabalho para empresas.

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